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Olá, seja bem-vindo ao EPCOT! Tenha um dia mágico!

1. Introdução

Meu nome é Raphael, e quando fiz esse intercâmbio tinha 23 anos e cursava Turismo na Universidade Federal Fluminense. Desde a minha primeira visita ao Magic Kingdom em 2008, com 14 anos, por livre e espontânea pressão da minha mãe, sou apaixonado por parques de diversões, tendo visitado mais de 50 em toda minha vida e andado em (até agora, abril de 2018) em 170 montanhas-russas. Essa paixão foi o que me levou a cursar Turismo e concentrar toda minha vida acadêmica ao redor desses lugares mágicos, especialmente entender como o visitante se comporta a partir do momento que entra nos portões e como os parques mexem com a cabeça das pessoas para atraí-las. Por conta disso (e pela minha paixão) eu queria muito trabalhar em um parque para ter a dimensão da dinâmica envolvida e para saber como era a sensação de ser um empregado de um lugar que deixa as pessoas felizes.

Era mais fácil eu procurar um intercâmbio do que me mudar de estado para trabalhar no Hopi Hari ou Beto Carrero World, então comecei a ver se as redes Six Flags, Cedar Fair, Universal tinha algum programa de trabalho, e nenhuma tinha. Eu relutei até o final em escolher a Disney e seu ICP pois queria algo mais raiz e menos glamoroso. Como não encontrei nada, o “jeito” foi fazer o ICP. Esperei até o sexto período da minha faculdade para poder fazer com tranquilidade.


De início, eu tinha como referência meus estudos sobre a Disney, e meus dois alumnis do 16/17 maravilhosos, Gustavo e Luyza. O único grupo que entrei foi o Futuros Disney Cast Members no Facebook para eu ficar a par de tudo que acontecia nos momentos que antecediam o processo seletivo. Evitei entrar em grupos de whatsapp antes de saber a aprovação, primeiro porque não tenho paciência para grupos imensos, segundo que não queria interagir e depois quebrar a cara. 

Por mais que eu olhasse torto ainda para a ideia de fazer o ICP, eu sabia que se eu passasse eu iria para Orlando com a meta de aproveitar o máximo de cada parque. Queria conhecer tudo, fazer tudo. E queria me sentir livre no trabalho. Não adiantaria eu fazer esse processo para ter a mesma infelicidade que eu sinto em ficar atrás de um balcão ou sentado em um escritório. Eu preciso estar ao ar livre para me sentir feliz.

Fui até o norte de Ohio atrás de montanha-russa. Esse parque temático da foto é o Cedar Point, que detém o segundo maior número de montanhas-russas do mundo.

Então foi o momento que eu tinha que ter pelo menos uma ideia das roles, isto é, o tipo de trabalho que eu faria lá. São as seguintes:
- Attractions: operação de brinquedos familiares/infantis e portaria dos parques;
- Character Attendant: guardião e assistentes dos personagens;
- Character Performer: atuação como os personagens Disney;
- Costuming: serviço de corte, costura e lavagem de uniformes;
- Custodial: limpeza das áreas comuns e banheiros;
- Merchandise: operação de caixa, venda e arrumação de estoque das lojas;
- Quick Service: atendimento e manutenção das lanchonetes.

Dentro dessas, a única que poderia me oferecer a liberdade que queria era Custodial. Nunca havia lidado com lixo na minha vida, mas sempre gostei dos ambientes que eu estava limpo e organizado. Apesar de amar a parte de brinquedos, pensei que eu poderia acabar achando chata depois de tanto tempo trabalhando. Dito isso, coloquei Custodial na cabeça, apesar de estar ainda com medo do que eu teria que lidar. 

O meu investimento financeiro para o ICP foi na ordem de US$ 2660/R$ 9500, que incluiu todos os gastos antes de receber o meu primeiro salário. Foram US$ 355 da acomodação da Disney, US$ 801, US$ 309 do seguro obrigatório, US$ 160 do visto J1, US$ 35 da taxa SEVIS e US$ 1000 para sobrevivência e primeiras compras. Consegui a maior desse dinheiro trabalhando em um estágio na faculdade e o resto veio através de patrocínios familiares.

2. O Processo Seletivo

O processo seletivo é composto de 3 etapas: inscrição online, entrevista presencial com a STB e entrevista presencial com a Disney (ambas em inglês). 

Primeiro passo – Inscrição online: A STB realiza palestras em algumas capitais dos estados do Brasil para contar mais sobre o intercâmbio e realizar a primeira entrevista. Para ter acesso a essa palestra, é necessário garantir seu lugar através de um cadastro em um hotsite que a STB irá disponibilizar dias antes da data das inscrições. É recomendável ser ágil nesse processo, pois as vagas se esgotam em poucos minutos. Para tudo correr bem no primeiro passo, fique de olho no site da STB sobre o programa e em páginas no Facebook, como a Segunda Estrela, para saber todas as informações necessárias. 

Segundo passo – entrevista com a STB: Essa entrevista ocorre logo após a palestra informativa. Ela é o “grande funil” do processo seletivo, visto que a taxa de eliminação de participantes é altíssima. Não existe segredo absoluto para ser aprovado, mas existem alguns fatores que é importante prestar atenção para garantir que a sua entrevista não seja um desastre. É importante lembrar que o que escrevo não é verdade absoluta, podendo variar de pessoa para pessoa, porém é o que eu observo melhor na característica de aprovados. Lá vai:

- Não fique de cabeça baixa e olhe diretamente nos olhos do entrevistador o tempo todo.
- Não vá com frases gravadas que muito provavelmente você vai se perder. Mantenha uma linha de raciocínio constante, evitando gaguejar, a partir de palavras-chefe guardadas na mente.
- Não invente de falar palavras rebuscadas em inglês. Passe sua mensagem claramente com o que você sabe.
- Seja sincero na hora de relacionar o seu objetivo de vida profissional com o porquê de você estar fazendo o programa. Evite faltar que você sente amor aos parques ou aos personagens da Disney.
- Seja empolgado e sorria. Não fale com voz baixa.
- Pense em argumentos próprios do porquê você faria a diferença como um empregado Disney. Não vá em clichês como “quero ter a oportunidade de fazer contato com novas culturas” ou “eu teria muito em contribuir com a Disney porque sou uma pessoa extrovertida e sem medo do trabalho”. 
- Não fale sobre experiências na qual o entrevistador não quer saber ou que não esteja relacionada com o programa, como “vejo séries”, “eu desenho”, “faço esportes”, “amo comida mexicana”.
- É indicado ter experiência profissional, trabalho voluntário e/ou viagens internacionais no currículo, assim como certificados de línguas estrangeiras.
- Caso tenha experiência com viagens internacionais, procure dizer em que elas contribuíram para o seu crescimento pessoal. 
- Não se intimide pelo colega ao lado nem o deixe te intimidar. 
- Tenha consciência que sua entrevista também depende do entrevistador, às vezes, ele pode não ir com a sua cara.

Me lembro de ter ido com uma galera enorme da minha faculdade para a entrevista em São Paulo. Estava acontecendo o Encontro Nacional de Estudantes de Turismo (ENATUR) na cidade na mesma época da entrevista do ICP, e não foi difícil convencer a galera a tentar o programa junto comigo. Lembranças para motorista de Uber Angelina, que fez o impossível para tentar chegar no lugar em um domingo com metrô e ruas interditadas (mesmo eu gritando de desespero e pulando para fora do carro no momento em que chegamos perto do local). Foi uma das viagens mais divertidas que fiz para São Paulo e faria tudo de novo. 

Terceiro passo – entrevista com a Disney: Sendo aprovado na entrevista com a STB, 1 mês e meio depois tem a entrevista com a Disney, em São Paulo. Nessa etapa do processo, o recrutador pretende conhecer você melhor, fazendo perguntas mais aprofundadas sobre seu currículo. É nessa entrevista que você deve falar seu parque favorito ou atração favorita para efeitos de possíveis definições de work location. A ideia dessa entrevista é ser um papo descontraído. 


Eu fiz a entrevista com a Regina, a chefe do recrutamento Disney no Brasil. Eu saí de lá arrasado, porque eu tentava iniciar uma conversa e ela acabava me cortando querendo saber algo específico. Achava que não ia passar, mas no final tudo correu bem, apesar da Disney ter esquecido de me mandar a minha Job Offer, isto é, seu contrato de trabalho.

Job Offer

3. Do resultado da aprovação até o embarque
Nesse tempo, você estará surtando de ansiedade a cada dia que passa, porém vários passos importantes são executados. Primeiro de tudo, essa é a hora de entrar em grupos. A comunicação com as pessoas que também passaram te ajuda muito a saber informações e a se sentir mais seguro de tudo. 

A STB te dará aos poucos via um portal os passos que devem ser executados, com suas respectivas datas. Aqui, o primeiro documento mágico que você receber é a sua Job Offer, que contém a role que você fará e o seu salário a ser pago. Aceitando sua Job Offer, você paga as primeiras semanas do DORMS, o portal que garante sua residência em um dos quatro condomínios da Disney em Orlando. Com esses dois passos completados, comece a correr atrás de passagem aérea, hospedagem para os dias que antecedem a data de check-in na Disney e continue acompanhando para você ter o recebimento do seu DS-2019, o documento do governo americano que permitirá você tirar o visto J-1. Além disso, você deverá também pagar uma taxa chamada SEVIS e preencher um site da Disney (New Hire Portal) em que colocará todas suas informações para que tudo ocorra bem com seu salário. 

Depois disso tudo pronto, bem perto da data de embarque você verá se será possível linkar com algum amigo seu, isto é, ambos ficarem no mesmo quarto. Nos últimos anos, somente a galera que foi na segunda e terceira data foram permitidos esse benefício. Além disso, você escolherá entre um dos quatro condomínios: Vista Way, Chatam Square, Patterson Court e The Commons. Apesar de ter escolhido linkar, pela oportunidade de uma melhor comunicação com meus colegas de apartamento, que acabaram por serem todos brasileiros, sinto que perdi uma oportunidade de interagir com outras culturas mais fortemente. 

4. A chegada aos Estados Unidos

Você só terá direito a 2 malas de 23kg em qualquer companhia aérea, ao menos que queira pagar excesso de bagagem. Minha dica para a arrumação das malas é que você não cometa o mesmo erro que cometi, levando muito do mesmo. Leve no máximo 2 pares de sapatos, 10 a 15 camisas, 2 a 3 calças, e se preferir levar toalhas e roupa de cama, leve no máximo 2 de cada. Isso te poupará dores de cabeça em relação a peso e no manejo das malas. Busque ficar longe de sacolas na mão e mantenha seus eletrônicos em uma mala de mão. 

Na imigração, apresente os seguintes documentos: passaporte com o visto e o DS2019. Caso o entrevistador pergunte por quanto tempo ficará e onde você vai ficar, fale todas as informações que recebeu da Disney. Caso você esteja hospedado em um hotel da Disney, você pode pegar o Disney Magical Express no Aeroporto de Orlando em direção ao seu hotel. Caso não, pegue um Uber ou Lyft, um app concorrente.

Escolhi ficar dois dias no Walt Disney World Resort aproveitando os hotéis antes de ir para o condomínio. Foi ótimo porque pude dar vários rolês nos hotéis do complexo, e conhecer as diferenças entre eles. Além disso, é o tempo de você conhecer as pessoas que você conversou até então só pela internet e trocar experiências. Escolhi conhecer todos os cantos do meu hotel caçando Pokémons e visitar o Art of Animation, por ter uma seção preferida do meu filme favorito da Disney, Carros.

 

Nem preciso dizer que amei cada detalhe que pude perceber. Além disso, passei no Disney Springs e jantei no Rainforest Café, um dos milhares de restaurantes do centro comercial da Disney. É muito legal você ter esses primeiros momentos de confraternização com os participantes do programa, até para você se sentir mais acolhido.

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5.  Entrando no condomínio

Meu condomínio foi o Vista Way. Eu o escolhi pelos prédios ao seu redor: o fast-food Wendy’s, lar do famoso 4-4-4 (um combo de um hambúrguer sem gosto, batata frita, nuggets de frango e bebida); Walgreens, uma farmácia e depósito de bebidas; Dollar Tree, um mercado onde tudo é vendido a 1 dólar e outros, como a pizzaria Cici’s Pizza e um complexo de golfe. Além disso, é do Vista que saem a maior parte dos ônibus para os lugares. 

 

Fiquei no prédio 23, um pouquinho longe do terminal de ônibus, mas incrivelmente perto da piscina e da recepção. O Vista é o mais antigo dos condomínios, e isso dava a ele um ar charmoso de subúrbio americano, especialmente com as árvores perdendo as folhas no outono e depois completamente secas no inverno. Entretanto, os apartamentos sofrem um pouco com a idade: as máquinas de lavar, que ficam do lado de fora do apartamento, quebravam constantemente; nosso triturador de lixo quebrou no primeiro mês; os colchões eram bastante duros e as gavetas não tinham mais sustentação. Para completar o barraco, os ônibus que são disponibilizados para nós são verdadeiras lata-velhas.
 

Eu gostei de morar no Vista Way, especialmente pelos estabelecimentos perto. Apesar de não ter participado de muitas, o Vista também era o epicentro das festinhas e rolês (mais sobre isso a frente). Entretanto, se você não se importa de pegar ônibus, eu acredito que o Chatam Square seja a melhor opção, por ser mais novo, ser o centro de eventos e ter a mesma quantidade de linhas de ônibus que o Vista tem. 

 

O The Commons possui o benefício da máquina de lavar ser dentro do apartamento, e o Patterson Court é o mais novo dos condomínios, porém somente uma linha de ônibus passa no condomínio, sendo necessário andar para o Chatam para pegar o resto dos ônibus.

6. A primeira semana

A mudança, na segunda-feira, foi muito confusa. Quando eu vi todo conteúdo das minhas duas malas enormes espalhados em cima da cama senti uma ansiedade enorme de arrumar tudo. Entretanto, eu tinha que comer e comprar vários utensílios para o apartamento, então já no primeiro dia você só sai correndo para o Walmart e o Dollar Tree em busca de tudo aquilo que você precisa. 

Cuidado ao comprar grandes quantidades de comida. Para mim, cozinhar não foi uma realidade porque trabalhava no mínimo 8 horas por dia e preferi dormir do que cozinhar. Logo, a quantidade de comida que comprei no primeiro dia de Walmart estragou facilmente. Faça compras para a sua semana, e compre todos os utensílios ou eletrônicos que desejar. 

 

Os dias seguintes foram de muito parque! Eu já tinha comprado daqui do Brasil o passe dos parques SeaWorld (Busch Gardens e SeaWorld), então já fui correndo experimentar a Mako! De resto, aproveitei o condomínio porque sabia que não teria tempo de aproveitar depois. Na quinta-feira, aconteceu o Traditions na Disney University, o primeiro treinamento que temos da Disney. Nele, aprendemos sobre as tradições da empresa e é uma oportunidade para todos ficarem familiares com o passado de Walt Disney. Assim como muita coisa nesse programa, vai depender muito de você, e muito de sua história de vida, decidir se o Traditions é realmente emocionante ou não.

Depois, tive a minha primeira visita ao Typhoon Lagoon, um dos parques aquáticos da Disney em anos. Foi uma delícia! Os parques aquáticos de Orlando são ótimos nessa época por estarem realmente muito vazios. Ah, no Traditions, recebemos já o direito de aproveitar o passe para aproveitarmos os parques da Disney de graça e o descontão de 40% nos produtos! Não vou falar outras coisas que recebemos, nem o nome do passe, para evitar mais surpresas que é muito gostoso ter lá.

 

Vi que era uma cultura da região de Orlando o uso de lanyards, aqueles cordões que normalmente aqui no Brasil usamos para pendurar a chave da bicicleta ou de armários, etc. Lá, as pessoas enchem de pins, sejam para trocar pelos parques ou apenas para mostrar as suas aquisições. Pins são caros e alguns são tão raros que as pessoas até evitam sair com eles. Além das lanyards, as pessoas ainda podem guarda-los em bolsas ou em imensas maletas. É algo muito sério de se colecionar. Dito isso, tratei logo de ter a minha. Cada pin que estava em minha lanyard tinha um significado imenso para mim, e você verá o que significa cada um deles durante esse relato. 

 

Nos dias a seguir, tive o começo dos meus treinamentos de Custodial e o Winter Formal, o baile de formatura ao estilo festa americana! Vou aproveitar o gancho do Winter Formal para dizer que as minhas relações sociais na primeira semana não foram fáceis. Mesmo tendo falado com uma quantidade considerável de pessoas no período pré-programa, vi todas indo embora de uma maneira muito fácil em virtude de terem conhecido outras pessoas lá. Acabou que quis dar atenção para tanta gente, que acabei ficando sem alguém realmente do meu lado. Digamos que sofri um baque psicológico muito grande nesse momento porque meu ambiente social no Brasil era de amigos vindos de diferentes grupos e acabei achando que teria a mesma coisa lá. Foi preciso a ajuda dos meus amigos do Brasil e uma ajudinha internacional da minha psicológica para me convencer a ficar e ver o quanto eu ainda tinha pela frente mesmo sentindo solidão e abandono.

7. Treinamento e primeiros dias como Custodial

Os primeiros dias de treinamento aconteceram na Disney University. O primeiro dia era o Welcome to Operations, uma verdadeira aula de gestão de parques temáticos (nem preciso dizer que amei) e segurança no trabalho. Já o segundo dia tive o Custodial Core, em que aprendi os básicos das funções de um custodian. Foi engraçado porque eu sou a pessoa mais desajeitada do mundo, então era quase impossível eu lembrar do passo-a-passo certo que tinham me acabado de ensinar HAHAHAHA! Além disso, nem por um decreto conseguia fazer o nó que os custodians fazem para manter o saco de lixo preso na lixeira. Nesse momento, eu senti que tudo estava perdido e que eu ia ter muita dificuldade na role.